15 Junho 2023
Começar uma tarefa no trabalho e finalizá-la sem ter conferido seu e-mail várias vezes, respondendo um WhatsApp ou bisbilhotado o Twitter é um exercício titânico. É que não só nos atrai aquilo que pode nos distrair: de certa forma, estamos preparados para isso. A multitarefa ou o multitasking – o fato de se concentrar não só em uma tarefa, mas em várias ao mesmo tempo – é algo intrínseco nos trabalhadores do século XXI.
A reportagem é de Ángela Sepúlveda, publicada por Ethic, 08-06-2023. A tradução é do Cepat.
Não sabemos nos concentrar em uma única atividade. Não só isso: nem sequer sabemos aproveitar o lazer sem, por exemplo, pegar o celular. Nem mesmo no cinema, onde já existem anúncios que nos convidam a não iluminar a sala com o nosso celular, durante o filme.
Fazer várias coisas ao mesmo tempo pode parecer algo positivo, criando a sensação de que estamos otimizando o tempo que não temos, mas as pesquisas apontam completamente o contrário: nosso cérebro não está preparado para fazer simultaneamente várias atividades.
Conforme explica um artigo da revista de neurociência da Universidade Stanford [Why multitasking does more harm than good], quando realizamos uma tarefa, várias redes cerebrais entram em operação. Fazer várias tarefas ao mesmo tempo, portanto, significa interromper a comunicação entre essas redes, o que pode significar o processamento da informação mais lentamente, além de cometer mais erros.
Outra pesquisa publicada na revista Nature [Memory failure predicted by attention lapsing and media multitasking] aponta que a multitarefa intensa está associada aos lapsos de atenção e esquecimentos. De fato, o pesquisador Kevin P. Madore explica como alguns especialistas destacam que a multitarefa diária crônica “está relacionada a erros em nossa capacidade de reter e usar informações (a chamada memória do trabalho) e nossa capacidade de recuperar informações (memória a longo prazo)”.
Talvez a multitarefa seja vista como um trabalho eficiente, mas a ciência mostrou o contrário: a multitarefa pode significar um custo de 40% do nosso tempo produtivo. Por quê? Pelo tempo que demoramos para abandonar uma tarefa e começar outra.
Quando paramos a atividade que estamos realizando, desativamos em nosso cérebro as “regras” de como fazer essa atividade para ativar as “regras” da seguinte. É verdade que isso pode significar apenas décimos de segundo, mas acumular esses décimos, tarefa após tarefa, pode levar a breves bloqueios mentais que, ao final, nos tornam menos produtivos (sendo também uma desvantagem, portanto, em termos econômicos).
E segundo destacam outros especialistas, “nossas mentes estão sobrecarregadas com múltiplas tarefas”. Uma pesquisa da Universidade Stanford realizou um experimento, em 2019, com pessoas que habitualmente realizavam várias tarefas ao mesmo tempo e outras que não. Em um dos testes, os sujeitos eram expostos a números e letras ao mesmo tempo. Em cada teste, tinham que se concentrar primeiro nos números (para determinar se eram pares ou ímpares) e depois nas letras (para identificar se eram vogais ou consoantes). A conclusão foi reveladora: após vários testes, aqueles que praticavam o multitasking não eram capazes de diferenciar a informação importante da irrelevante quando elas surgiam ao mesmo tempo. “Não conseguiam deixar de pensar na tarefa que não estavam fazendo”, apontou um dos pesquisadores.
O estudo, em definitivo, concluiu que as pessoas que são habitualmente bombardeadas por várias fontes de informação não prestam atenção, não têm controle sobre sua memória e não podem mudar de uma tarefa para outra com a mesma eficiência daquelas que completam uma única tarefa.
“Tudo as distrai”, concluiu Clifford Nass, um dos pesquisadores. E não há diferenciação de sexos, como pretende o clichê: “sou mulher, posso fazer duas coisas ao mesmo tempo”. Tanto homens quanto mulheres experimentaram uma desaceleração da velocidade no momento de completar a tarefa, bem como menor precisão.
As pessoas que realizam várias tarefas ao mesmo tempo têm um pior controle cognitivo, o que significa que prestam atenção a tudo à sua frente e são incapazes de evitar informações irrelevantes (que podem levar a mais erros). O multitasking, além disso, pode provocar ansiedade, como revelou uma pesquisa de 2014 [Higher Media Multi-Tasking Activity Is Associated with Smaller Gray-Matter Density in the Anterior Cingulate Cortex]: as pessoas que praticam a multitarefa têm um pior processo socioemocional e motivacional, algo que também está relacionado com a tendência a sofrer alguns transtornos como a depressão.
O neurocientista Daniel J. Levitin é mais claro a esse respeito. Conforme escreveu no The Guardian, “a multitarefa aumenta a produção de cortisol, o hormônio do estresse, bem como a adrenalina, o hormônio de luta ou fuga, que pode superestimular o cérebro e causar confusão mental ou pensamentos confusos”.
Levitin explica que a multitarefa está relacionada ao vício em dopamina, à recompensa imediata: respondemos a um e-mail e temos a sensação de ter concluído algo, mas quando encontramos algo no Twitter que nos interessa, também recebemos essa pequena recompensa. É a busca constante pela novidade para receber dopamina.
O neurocientista Facundo Manes também comenta: “A multitarefa nos deixa ansiosos e nos estressa”. Conforme explica no capítulo "Estresse", de seu podcast Pensar de Novo, as pessoas multitasking “estão mais propensas a ficar presas a estímulos irrelevantes e, portanto, a se distraírem facilmente. A multitarefa tem um custo cognitivo. A má gestão da atenção não só gera improdutividade, ansiedade e estresse, mas também traz riscos mortais”.
Manes se refere a tarefas como dirigir e responder a um WhatsApp. Afinal, quando falamos em multitarefa, não estamos nos referindo apenas a abrir uma aba para ver se vai chover amanhã, enquanto terminamos um relatório, mas também a algo mais como prestar atenção na estrada. E não é algo trivial: as distrações ao volante tiram anualmente a vida de muitas pessoas.
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O mito (e o custo) da multitarefa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU